terça-feira, 3 de julho de 2012

COLEGIO ESTADUAL ABELARDO MOREIRA COMEMORA NO MES DE AGOSTO CENTENÁRIO DE JORGE AMADO




Jorge Amado com um ano



Infância grapiúna: entre a fazenda de cacau e o mar da Bahia
     Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, distrito de Itabuna, filho de João Amado de Faria e Eulália Leal. O pai havia migrado de Sergipe para se tornar fazendeiro de cacau na Bahia. Além de Jorge, o primeiro filho, o casal teve Jofre, que morreu aos três anos, Joelson e James. Antes que o primogênito completasse dois anos, a família mudou-se para Ilhéus, fugindo de uma epidemia de varíola (a “bexiga negra”). 
      No litoral sul da Bahia, a “nação grapiúna”, o menino Jorge Amado ganhou intimidade com o mar, elemento fundamental de seus livros, e viveu algumas de suas experiências mais marcantes. Cresceu em meio a lutas políticas, disputas pela terra e brigas de jagunços e pistoleiros. Seu pai foi baleado em uma tocaia. Em companhia do caboclo Argemiro, que nos dias de feira o colocava na sela e o levava a Pirangi, o menino conheceu as casas de mulheres e as rodas de jogo. 
      A região cacaueira seria um dos cenários preferidos do autor, atravessando toda sua carreira literária, em livros como Terras do sem-fimSão Jorge dos IlhéusGabriela, cravo e canela e Tocaia Grande, nos quais relata as lutas, a crueldade, a exploração, o heroísmo e o drama associados à cultura do cacau que floresceu na região de Ilhéus nas primeiras décadas do século XX.



Alunos do colégio Antônio Vieira, em 1923. Jorge está na segunda fila, de baixo para cima, ao centro.
Os anos de aprendizado e a descoberta da paixão pelas letras
     Jorge Amado tomou contato com as letras através da mãe, que o alfabetizou pela leitura de jornais. Completou os estudos iniciais num internato religioso: com onze anos foi mandado a Salvador para estudar no Colégio Antônio Vieira. 
      Apesar da sensação de encarceramento e da saudade que sentia da liberdade e do mar de Ilhéus, o menino experimentou ali a paixão pelos livros. Seu professor de português era o padre Luiz Gonzaga Cabral, que lhe emprestou livros de autores como Charles Dickens, Jonathan Swift, José de Alencar e clássicos portugueses. O padre Cabral foi o primeiro a sentenciar que Jorge Amado se tornaria escritor, ao ler uma redação de seu aluno, intitulada “O mar”. 
      Em 1924, o menino fugiu do internato e passou dois meses percorrendo o sertão baiano. Viajou até Itaporanga, em Sergipe, onde morava seu avô paterno, José Amado. Seu tio Álvaro, uma das figuras mais importantes de sua infância, foi buscá-lo na fazenda do avô. 
      Depois de transferir-se para outro internato, o Ginásio Ipiranga, em 1927 Jorge Amado foi morar em um casarão no Pelourinho, em Salvador. O prédio serviria de inspiração ao seu terceiro romance, Suor, publicado em 1934.


Estréia como profissional da palavra
     Aos catorze anos, Jorge Amado conseguiu seu primeiro emprego: repórter policial no Diário da Bahia. Em seguida, passou a trabalhar em O Imparcial. Nessa época, participava intensamente da vida popular e da boemia de Salvador, freqüentava “casas de raparigas”, botecos, feiras e costumava sair com os pescadores em seus saveiros.
      Em 1928, fundou com amigos a Academia dos Rebeldes, reunião de jovens literatos que pregavam “uma arte moderna, sem ser modernista”, antecipando a ênfase social e o teor realista que caracterizariam o romance do Movimento de 30. O grupo era liderado pelo jornalista e poeta Pinheiro Viegas e dele faziam parte Sosígenes Costa, Alves Ribeiro, Guilherme Dias Gomes, João Cordeiro, o etnólogo Edison Carneiro, entre outros. Foi este último quem apresentou Jorge Amado ao pai-de-santo Procópio, de quem o escritor recebeu seu primeiro título no candomblé: ogã de Oxóssi.
      A descoberta do candomblé, religião celebrativa em que não existe a noção do pecado, e o contato com as tradições afro-brasileiras e com a história da escravidão levaram Jorge Amado a desenvolver uma visão específica da Bahia - e do Brasil -, que perpassa toda a sua criação literária: uma nação mestiça e festiva.


                                                 Os primeiros livros
     A primeira obra publicada por Jorge Amado foi a novela Lenita(1929), escrita em co-autoria com Edison Carneiro e Dias da Costa. O texto saiu nas páginas de O Jornal, e o escritor usou o pseudônimo Y. Karl para assiná-lo. Mais tarde, preferiu não incluir o texto na lista de suas obras completas. “É uma coisa de criança. Nós éramos muito meninos quando fizemos Lenita”, diria Jorge Amado sobre a obra. 
      Em 1931, aos dezoito anos, lançou seu primeiro livro, O país do Carnaval, publicado pelo editor Augusto Frederico Schmidt. O romance é considerado sua verdadeira estréia literária. No mesmo ano, Jorge Amado ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, cidade onde passou a residir. Embora tenha se formado advogado, nunca exerceu a profissão. 
      Em 1932, desistiu de editar o romance Rui Barbosa n. 2, aconselhado por amigos que acharam o texto muito similar ao livro de estréia. No mesmo ano, após visitar Pirangi, povoado que viu nascer próximo a Itabuna, decide escrever sobre os trabalhadores da região. Com Cacau (1933), Jorge Amado dá início ao ciclo de livros que retratam a civilização cacaueira.

Gilberto Freyre, Anísio Teixeira e Jorge Amado, em 1961


                                     
O círculo de amizades do Movimento de 30
     Em meio à efervescência cultural do Rio de Janeiro, então capital do país, Jorge Amado travou amizade com personalidades da política e das letras, como Raul Bopp, José Américo de Almeida, Gilberto Freyre, Carlos Lacerda, José Lins do Rego e Vinicius de Moraes. 
      A convivência com o chamado Movimento de 30 marcou profundamente sua personalidade e a preocupação que reteve com os problemas brasileiros. Jorge Amado viajou até Maceió especialmente para conhecer Graciliano Ramos. Nesse período, a escritora Rachel de Queiroz lhe apresentou aos ideais igualitários do comunismo.
      Em 1934, com a publicação de Suor, sua ficção aventurou-se pela realidade urbana e degradada da capital Salvador. Dois anos depois, lançou Jubiabá, romance protagonizado por Antônio Balduíno, um dos primeiros heróis negros da literatura brasileira. Aos 23 anos, Jorge Amado começou a ganhar fama e projeção: o livro tornou-se seu primeiro sucesso internacional. Publicado em francês, foi elogiado pelo escritor Albert Camus em artigo de 1939.


Militância, censura e perseguições
     Sensibilizado com as fortes desigualdades sociais do país, em 1932 Jorge Amado filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Quatro anos depois foi preso pela primeira vez, no Rio de Janeiro, acusado de participar da Intentona Comunista. O ano era 1936, e Jorge Amado publicou um de seus livros mais líricos, Mar morto, protagonizado pelo mestre de saveiro Guma. O livro inspirou o amigo Dorival Caymmi a compor a música “É doce morrer no mar”.
      O romancista casou-se em 1933 com Matilde Garcia Rosa, na cidade de Estância, em Sergipe. Com ela, Jorge Amado teve uma filha, Eulália Dalila Amado, nascida em 1935 e falecida subitamente com apenas catorze anos. 
      Em meados dos anos 30, Jorge Amado fez uma longa viagem pelo Brasil, pela América Latina e pelos Estados Unidos, durante a qual escreveu Capitães da Areia (1937). Ao retornar, foi preso novamente, devido à supressão da liberdade política decorrente da proclamação do Estado Novo (1937-50), regime de exceção instituído por Getúlio Vargas. Em Salvador, mais de mil exemplares de livros de Jorge Amado foram queimados em praça pública pela polícia do regime.
      Libertado em 1938, Jorge Amado transferiu-se do Rio para São Paulo, onde passou a dividir apartamento com o cronista Rubem Braga. Voltou a morar no Rio de Janeiro, e entre 1941 e 1942 exilou-se no Uruguai e na Argentina, onde escreveu a biografia de Luís Carlos Prestes, O cavaleiro da esperança, publicada originalmente em espanhol, em Buenos Aires, e proibida no Brasil. Ao retornar ao país, foi detido pela terceira vez, agora em regime de prisão domiciliar, na Bahia. Em 1943, escreveu para a coluna “Hora da guerra”, nas páginas de O Imparcial. No mesmo ano, o romance Terras do sem-fim foi o primeiro livro a ser publicado e vendido depois de seis anos de proibições às obras do autor.
                                      
A união com Zélia e a atividade política
     Em 1944, Jorge Amado separou-se de Matilde, após onze anos de casamento. No ano seguinte, em São Paulo, chefiava a delegação baiana no I Congresso Brasileiro de Escritores quando conheceu Zélia Gattai. A escritora se tornaria o grande amor de sua vida. Em 1947, nasceu o primeiro filho do casal, João Jorge. Quando o menino completou um ano, recebeu de presente do pai o texto O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, com desenhos de Carybé. Com Zélia, Jorge Amado teve também a filha Paloma, nascida em 1951, na Tchecoslováquia. Jorge e Zélia oficializaram a união apenas em 1978, quando já eram avós.
      Em 1945, Jorge Amado foi eleito deputado federal pelo PCB para a Assembléia Constituinte. Assumiu o mandato no ano seguinte, e algumas de suas propostas, como a que instituiu a liberdade de culto religioso, foram aprovadas e viraram leis. Alguns anos depois, porém, o partido foi colocado na clandestinidade e Jorge Amado teve o mandato cassado. Em 1948, partiu para a Europa e fixou-se em Paris. Durante o período de exílio voluntário, conheceu Jean-Paul Sartre e Picasso, entre outros escritores e artistas. Em 1950, o governo francês expulsou Jorge Amado do país, por motivos políticos. 
      O autor passou a morar na Tchecoslováquia, e nos anos seguintes viajou pelo Leste Europeu, visitando a União Soviética, a China e a Mongólia. Escreveu seus livros mais engajados, como a trilogia Os subterrâneos da liberdade, publicada em 1954. Em 1956, após as denúnicias de Nikita Khruchióv contra Stálin no 20o Congresso do Partido Comunista da União Soviética, Jorge Amado se desliga do PBC.

Jorge Amado e mãe Menininha do Gantois
                            Humor, sensualismo e a contestação feminina
     A partir do final da década de 50, a literatura de Jorge Amado passou a dar mais relevo ao humor, à sensualidade, à miscigenação e ao sincretismo religioso. Apesar de não terem estado ausentes de sua literatura, esses elementos passam agora a ocupar o primeiro plano, e seus romances apresentam um posicionamento político mais nuançado. Gabriela, cravo e canela, escrito em 1958, marca essa grande mudança. O escritor, porém, preferia dizer que com Gabriela houve “uma afirmação e não uma mudança de rota”. 
      Nessa época, Jorge Amado passou a se interessar cada vez mais pelos ritos afro-brasileiros. Em 1957, conheceu Mãe Menininha do Gantois, e em 1959 recebeu um dos mais altos títulos do candomblé, o de obá Arolu do Axé Opô Afonjá. No mesmo ano, saiu na revista Senhor a novela A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, considerada uma obra-prima, que depois seria publicada junto com o romance O capitão-de-longo-curso no volume Os velhos marinheiros (1961). Mais tarde, viriam algumas de suas obras mais consagradas, como Dona Flor e seus dois maridos (1966), Tenda dos Milagres (1969), Tereza Batista cansada de guerra (1972) e Tieta do Agreste (1977). 
      A nova fase de sua literatura compreende os livros protagonizados por figuras femininas, ao mesmo tempo sensuais, fortes e contestadoras. As mulheres inventadas por Jorge Amado consagraram-se no imaginário popular e ganharam as telas da televisão e do cinema. Nas décadas de 70, 80 e 90, os livros do autor viraram filmes e novelas, em adaptações realizadas por Walter George Durst, Alberto D’Aversa, Marcel Camus, Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Bruno Barreto, Aguinaldo Silva, Luiz Fernando Carvalho, entre outros diretores e roteiristas. Glauber Rocha e João Moreira Salles realizaram documentários sobre o escritor.
                 A casa do Rio Vermelho e a vida entre Salvador e Paris
     Jorge Amado vendeu os direitos de filmagem do livro Gabriela, cravo e canela para a Metro-Goldwyn-Mayer, em 1961. Com o dinheiro, comprou um terreno em Salvador e construiu uma casa, onde passou a morar com a família em 1963. A casa da rua Alagoinhas, no bairro do Rio Vermelho, era também uma espécie de centro cultural. Além de abrigar um grande acervo de arte popular, Jorge Amado e Zélia recebiam amigos artistas e intelectuais, e abriam as portas até para admiradores desconhecidos, de vários lugares do Brasil e do mundo. 
      Em 1983, Jorge e Zélia passaram a viver metade do ano em Paris, metade na Bahia. Na Europa, o escritor era reconhecido e celebrado como um dos maiores romancistas brasileiros. Usava o seu apartamento no charmoso bairro do Marais, um lugar mais tranqüilo que sua movimentada casa em Salvador, como um refúgio para escrever.
      Durante a década de 80, Jorge Amado escreveu O menino grapiúna, suas memórias de infância, e o romance Tocaia Grande, dois livros que retomam o tema da cultura cacaueira que marcou o início de sua carreira literária. Nessa época escreveu também O sumiço da santa. Em 1987, foi inaugurada a Fundação Casa de Jorge Amado, com sede em um casarão restaurado no Pelourinho. A Fundação possui em seu acervo publicações sobre o escritor, como teses, ensaios e outros textos acadêmicos, artigos de imprensa, registro de homenagens e cartas.
                                                 Os últimos anos
     No começo da década de 90, Jorge Amado trabalhava em Bóris, o vermelho, romance que não chegou a concluir, quando redigiu as últimas notas de memória que compõem Navegação de cabotagem, publicado por ocasião de seus oitenta anos. Em 1992 recebeu de uma empresa italiana a proposta de escrever um texto de ficção sobre os quinhentos anos do descobrimento da América. Produziu a novela A descoberta da América pelos turcos, publicada no Brasil em 1994. 
      Durante a década de 90, a filha Paloma, ao lado de Pedro Costa, reviu o texto de suas obras completas, a fim de suprimir os erros que se acumularam ao longos dos anos e das sucessivas edições de seus livros. Em 1995, o autor foi agraciado com o Prêmio Camões, uma das maiores honrarias da literatura de língua portuguesa. 
      Em 1996, Jorge Amado sofreu um edema pulmonar em Paris. Na volta ao Brasil, foi submetido a uma angioplastia. Depois, recolheu-se à casa do Rio Vermelho, com um quadro clínico agravado pela cegueira parcial, que o deprimiu por impedi-lo de ler e escrever. 
      O escritor morreu em agosto de 2001, poucos dias antes de completar 89 anos. Seu corpo foi cremado e as cinzas enterradas junto às raízes de uma velha mangueira, no jardim de sua casa, ao lado de um banco onde costumava descansar, à tarde, em companhia de Zélia.
A consagração e a recusa da glória
Ao longo das décadas, os livros de Jorge Amado foram traduzidos e editados em mais de cinqüenta países. Seus personagens viraram nomes de ruas, batizaram estabelecimentos comerciais e foram associados a marcas de vários produtos. O escritor foi tema de desfiles de Carnaval, freqüentou rodas de capoeira, envolveu-se com questões ambientais e teve suas histórias recriadas por trovadores populares ligados à poesia de cordel.
      Além do reconhecimento que o fardão de imortal da Academia Brasileira de Letras proporcionou, o escritor recebeu o título de doutor honoris causa em universidades européias e centenas de homenagens ao longo da vida. Mas orgulhava-se sobretudo das distinções concedidas no universo do candomblé. 
      Não à toa, o romancista escolheu o orixá Exu, desenhado pelo amigo Carybé, como marca pessoal. Trata-se de uma figura da mitologia iorubá que simboliza o movimento e a passagem. Exu está associado à trangressão de limites e fronteiras. A escolha indica tanto a filiação à cultura popular mestiça baiana como a valorização da arte de transitar entre universos sociais e culturais diferentes.
      Apesar de sua amizade com personalidades de destaque  - como Pablo Neruda, Mario Vargas Llosa, Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro e Gabriel Garcia Márquez - e do amplo reconhecimento de sua obra, Jorge Amado recusava pompa ou grandeza à sua trajetória de vida. Diz ele em Navegação de cabotagem: “Aprendi com o povo e com a vida, sou um escritor e não um literato, em verdade sou um obá”. E mais adiante, anota: “Não nasci para famoso nem para ilustre, não me meço com tais medidas, nunca me senti escritor importante, grande homem: apenas escritor e homem”



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