A
tecnologia precisa estar presente na sala de aula
Pesquisadora da PUC-SP alerta que o currículo
escolar não pode continuar dissociado das novas possibilidades tecnológicas
Em um mundo cada vez mais globalizado, utilizar as novas
tecnologias de forma integrada ao projeto pedagógico é uma maneira
de se aproximar da geração que está nos bancos escolares. A opinião é de Maria
Elizabeth Bianconcini de Almeida, coordenadora e docente do Programa de
Pós-Graduação em Educação: Currículo, da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP).
Defensora do uso das Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) em sala de aula, Beth Almeida faz uma ressalva: a
tecnologia não é um enfeite e o professor precisa compreender em quais
situações ela efetivamente ajuda no aprendizado dos alunos. "Sempre
pergunto aos que usam a tecnologia em alguma atividade: qual foi a contribuição?
O que não poderia ser feito sem a tecnologia? Se ele não consegue identificar
claramente, significa que não houve um ganho efetivo", explica.
Nesta entrevista para NOVA ESCOLA, a especialista no uso de novas tecnologias em Educação, formação docente e gestão falou sobre os problemas na formação inicial e continuada dos professores para o uso de TICs e de como integrá-las ao cotidiano escolar.
Nesta entrevista para NOVA ESCOLA, a especialista no uso de novas tecnologias em Educação, formação docente e gestão falou sobre os problemas na formação inicial e continuada dos professores para o uso de TICs e de como integrá-las ao cotidiano escolar.
É o
currículo que se desenvolve por meio das tecnologias digitais de informação e
comunicação, especialmente mediado pela internet. Uma forma de trabalhá-lo é
informatizar o ensino ao colocar o material didático na rede. Mas o
webcurrículo vai além disso: ele implica a incorporação das principais
características desse meio digital no desenvolvimento do currículo. Isto é,
implica apropriar-se dessas tecnologias em prol da interação, do trabalho
colaborativo e do protagonismo entre todas as pessoas para o desenvolvimento do
currículo. É uma integração entre o que está no documento prescrito e previsto
com uma intencionalidade de propiciar o aprendizado de conhecimentos
científicos com base naquilo que o estudante já traz de sua experiência. O
webcurrículo está a favor do projeto pedagógico. Não se trata mais do uso
eventual da tecnologia, mas de uma forma integrada com as atividades em sala de
aula.
Sim, pois
estamos falando de diferentes tecnologias digitais, portanto de novas
linguagens, que fazem parte do cotidiano dos alunos e das escolas. Esses
estudantes já chegam com o pensamento estruturado pela forma de representação
propiciada pelas novas tecnologias. Portanto, utilizá-las é se aproximar das
gerações que hoje estão nos bancos das escolas.
A
primeira coisa é ter a tecnologia disponível. É por isso que não se observam
resultados tão favoráveis quando há apenas um laboratório para toda a escola. A
tecnologia tem de estar na sala de aula, à mão no momento da necessidade. Pode
ser um pequeno laboratório na sala ou um computador por aluno. Não estou
falando exclusivamente de computador, mas de diversas tecnologias digitais.
Sem
dúvida! Não que o laboratório não deva existir. Ele precisa estar na escola,
mas passa a ser ressignificado. O laboratório é para uma atividade mais
sofisticada, que exige recursos de uma reconfiguração, digamos, mais pesada e
atualizada. Essa tecnologia precisa estar à mão para a produção de conhecimento
dos alunos à medida que surja a necessidade.
O
porcentual de alunos em escolas muito precárias é pequeno. Em termos de
política pública, não há solução única. É preciso buscar ações diferenciadas.
Há que superar esses desafios quase simultaneamente e trabalhar em duas
frentes: recuperar atrasos, alguns bem antigos, e inserir essa nova geração na
sociedade digital.
Vetar o
uso não adianta nada porque o aluno vai levar e utilizar ali, embaixo da
carteira. É preciso criar estratégias para que os celulares sejam incorporados,
pois oferecem vários recursos e não custam nada à escola. A proibição só
incentiva o uso escondido e a desatenção na dinâmica da aula. Geralmente os
estudantes, inclusive de escolas públicas, têm celular e o levam a todos os
lugares. Ele é o instrumento mais usado pela população brasileira. Basta olhar
as estatísticas. O que o webcurrículo prevê é o uso integrado da tecnologia. Os
alunos, com seu celular, podem fazer o registro daquilo que encontram numa
pesquisa de campo. Podem trabalhar textos e fotos e preparar pequenos
documentários em vídeo. Isso precisa estar integrado ao conteúdo.
Da mesma
forma que nos preocupamos com essas questões em todos os campos. A tecnologia
não é uma exceção, até porque ela potencializa o trabalho com diversas mídias,
com imagens e textos. Ela facilita a cópia, o plágio. Mas não que isso não
existisse antes. O bom é que, assim como simplifica a fraude, também facilita a
detecção. E o que nos cabe como educadores? Cabe ajudar o aluno a entender o
que é ético para que ele possa se pautar por uma conduta adequada aos dias de
hoje, mas baseado em princípios que sempre existiram. A única novidade é o
meio.
Já temos
várias iniciativas importantes no país, mas é preciso ter em mente que os
resultados, em Educação, não vêm em um curto prazo. Os currículos estão se
alterando hoje e a diferença será sentida daqui a algum tempo. Mas a hora da
mudança é agora.
É preciso
trabalhar com a perspectiva de análise macro, pois ela é importantíssima para
ter a ideia do que acontece no todo. Entretanto, é necessário fazer estudos de
casos específicos porque assim é possível identificar as inovações, aquilo que
aparece de mudança, o que há de diferente. Para detectar os fatores que levaram
à aprendizagem, é preciso acompanhar o aluno por algum tempo. Às vezes, ele
demonstra um rendimento muito bom, mas isso é anterior e não necessariamente
está relacionado ao uso das TICs. É difícil pegar essas situações. Os exames
nacionais e internacionais não são feitos para identificar esses aprendizados.
Nós vivemos uma situação paradoxal. Os sistemas de ensino estão preocupados em
desenvolver os alunos para que eles tenham autonomia para atuar em uma
sociedade em constante mudança. Mas o ritmo das escolas é o oposto disso.
O
currículo da sala de aula não é apenas o prescrito. Ele se desenvolve do que
emerge das experiências de alunos e professores, do diálogo entre eles. Nesse
sentido, o uso das TICs pode auxiliar muito porque, quando é desenvolvido um
currículo mediatizado, é feito o registro dos processos e com essa base é
possível identificar qual foi o avanço do aluno, quais as suas dificuldades e
como intervir para ajudá-lo. Isso é pouco aproveitado ainda.
Não, a
formação inicial não está dando conta disso. Temos vários estudos em que o
professor reconhece que a tecnologia é importante e ele quer utilizá-la. Mas
não é apenas porque tem pouco domínio que não a emprega. Para integrar as
tecnologias, é preciso deter tanto o domínio instrumental como o conteúdo que
deve ser trabalhado, as próprias concepções de currículo e as estratégias de
aprendizagem. Tudo isso precisa ser integrado numa formação que alguns
especialistas já chamam de "nova pedagogia".
Provavelmente
isso ocorre porque um único laboratório é muito pouco para dar conta da
quantidade de alunos. Isso desestimula os professores, que, no máximo,
conseguem levar a turma duas vezes por semana. Aí não se cria uma cultura de
mudança e de integração da tecnologia com o currículo por total falta de tempo.
Tem
havido muitos programas públicos de formação continuada, entretanto há uma
rotatividade enorme dos professores e isso se perde. Precisamos investir na
ampliação do acesso às tecnologias e, principalmente, nessa formação.
Não se
pode separar forma de conteúdo. É preciso integrar o conteúdo à tecnologia, às
estratégias de aprendizagem e às de ensino. Tudo isso precisa ser relacionado e
analisado pelo professor. Mas é preciso cuidar da gestão desses programas de
formação e principalmente da mediação pedagógica que ocorre nessa formação.
Tanto as universidades públicas como as privadas precisam trabalhar com a
realidade da sala de aula e estar comprometidas com a reflexão sobre a prática.
Não é
necessário que isso ocorra. O importante é que o professor tenha oportunidade
de reconhecer as potencialidades pedagógicas das TICs e aí assim incorporá-las
à sua prática. Nem todas as tecnologias que surgirem terão potencial. Outras
inicialmente podem não ter, mas depois o quadro muda. Primeiro, é preciso
utilizar para si próprio para depois pensar sobre a prática pedagógica e as
contribuições que as TICs podem trazer aos processos de aprendizagem. Daí a
importância dos programas de formação.
A
Educação a distância não significa outra Educação. Educação a distância é
Educação mediatizada por tecnologia. Quanto será presencial ou a distância, são
as situações que vão dizer. Essa oposição entre uma e outra vai se perder. É
possível ter Educação de qualidade a distância e sem qualidade na forma
presencial, ou vice-versa. Não é a modalidade que garante a qualidade.
É uma
coisa relativizada e não será abandonada. O professor detém um conhecimento
científico maior e é absolutamente normal que ele exponha uma aula. Só que isso
não pode ser um monólogo nem imperar o tempo inteiro. É fundamental que
diferentes dinâmicas ocorram em sala de acordo com o projeto pedagógico.