A arte mais brasileira,
na opinião dos críticos
LUIZ SUGIMOTO
na opinião dos críticos
LUIZ SUGIMOTO
Existe uma arte mais brasileira ou que seja melhor para o Brasil? Na historiografia da arte no país, encontraremos muitos críticos defendendo que sim. Depois de obter seu doutorado na França, com uma tese sobre Antonio Bandeira – pintor cearense da chamada abstração informal que morou muito tempo em Paris e lá morreu –, a professora Maria de Fátima Morethy Couto se perguntou por que alguns dos defensores de primeira hora da arte abstrata no país rejeitaram a pintura informal, julgando que uma abstração mais geométrica, de teor construtivista, seria mais adequada à nossa realidade. A questão pautou um estudo de pós-doutorado que resultou no livro “Por uma vanguarda nacional – A crítica brasileira em busca de uma identidade artística (1940-1960)”, que acaba de ser lançado pela Editora da Unicamp.
Obra mostra como a crítica se torna normativa
Analisando o discurso da crítica a partir de textos de época, principalmente de Mário Pedrosa e Ferreira Gullar, Fátima Morethy repassa os movimentos das artes plásticas do modernismo à nova figuração, emoldurando-os com momentos históricos do país, o que torna o livro elucidativo e atraente também para leigos. “Ao artista nem sempre interessava se sua arte era brasileira ou não, mas a crítica por vezes lhe atribuía tal cunho. Não sinto esta preocupação, por exemplo, nos trabalhos de Lygia Clark ou de Hélio Oiticica dos anos 1950. Diversos críticos, porém, enfatizavam que aquela arte era a melhor para o Brasil por representá-lo de forma conseqüente no exterior. Procuro mostrar que, em diferentes momentos de nossa história, a crítica se torna normativa, sem que isso altere fundamentalmente a obra”, afirma a professora, que chefia o Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes (IA) da Unicamp.
Na introdução do livro, a autora lembra a conjuntura social, política e econômica do pós-guerra, com a crise na Europa e o início da afirmação dos Estados Unidos na liderança mundial, enquanto o Brasil vivia uma euforia desenvolvimentista. Ela conta que, no campo das artes, a França procurava se reafirmar como centro mundial, proclamando, em um primeiro momento, “a vitalidade e a universalidade dos valores da chamada Escola de Paris, em especial aqueles instaurados pelo cubismo”. Enquanto isso, nos Estados Unidos, o crítico Clement Greenberg sustentaria que “a arte abstrata americana dos anos 1950 representava o momento máximo da ‘tradição moderna’” e que a arte vinda de Paris “não estava à altura” desta produção.
Ainda na introdução, Fátima Morethy observa que, apesar do antagonismo instaurado entre França e EUA, o Brasil também almejava impor-se mundialmente, e não apenas economicamente, devido ao processo de desenvolvimento acelerado do pós-guerra. “A idéia de uma mudança do centro mundial das artes de Paris para São Paulo seduzia os espíritos mais audaciosos, que acreditavam na possibilidade de o país participar do debate cultural da época com uma contribuição significativa e original. No plano nacional, esse período caracteriza-se pela retomada do diálogo com o exterior e pela implantação de uma política desenvolvimentista que resultaria na construção de Brasília. Novos museus, voltados para a arte moderna, são então fundados, e assiste-se à difusão da arte abstrata nos grandes centros brasileiros. A criação das Bienais de São Paulo representa o ponto culminante desse processo de abertura e dessa tentativa de renovação das artes plásticas no país”, escreve.
Nacionalismo – A professora do IA acrescenta em entrevista que, quando a abstração chega ao Brasil com a Bienal de São Paulo e a abertura de Museus de Arte Moderna, nos anos 1950, os críticos engajados na defesa proclamam a importância de uma arte abstrata de viés construtivo para um país em vias de desenvolvimento. “Enquanto Mário Pedrosa afirmava que a arte concreta brasileira representava uma ‘corrente de resistência autóctone’, Ferreira Gullar denunciava a abstração informal como uma linguagem sem raízes, veiculada pelos grandes centros dominantes. Minha hipótese é a de que os críticos mais progressistas optaram pela abstração concreta, defendendo em seguida o movimento neoconcreto, por questões nacionalistas”, afirma. Daí, o fato de a autora se reportar ao movimento modernista dos anos 1920, quando o desejo de atualização estética com as propostas da vanguarda europeía atraiu artistas como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti para a experimentação formal. Este desejo, porém, logo deu lugar a um projeto nacionalista de representar o Brasil com olhos brasileiros. “Mário de Andrade fala da importância de adotar temas como o samba e o trabalhador, e Portinari entra nos anos 1930 como o artista paradigmático dessa proposta”, observa Fátima Morethy.
De volta aos 1950, a pesquisadora conta que, ao mesmo tempo em que artistas de vanguarda realizavam suas pesquisas, Mário Pedrosa e Ferreira Gullar procuravam convencê-los de que “era possível construir uma arte nova, adequada às necessidades de um país novo e que poderia concorrer diretamente com a produção européia”. “Dentro desse espírito, eles se engajaram em um combate ao mesmo tempo ideológico e estético: reagindo a uma situação de dependência cultural, buscavam dar à arte abstrata realizada no país um caráter de inovação e de especificidade que a distinguisse no mercado internacional”, comenta no livro a professora do IA. Na segunda metade da década, os dois críticos identificam a arte neoconcreta como a formulação abstrata mais adaptada às necessidades do país e que teve em Lygia Clark e Hélio Oiticica seus maiores expoentes.
Viés político – Fátima Morethy explica que, nos anos 1960, toda a euforia se esvai. Recorda o aumento vertiginoso da inflação, a renúncia de um presidente, a deposição do substituto e o golpe militar que cerceou os direitos civis. “No campo das artes, a certeza de que era possível se equiparar às nações mais desenvolvidas dava lugar ao desejo de assumir o subdesenvolvimento do país e de fundar uma linguagem condizente com essa condição. É o fim do apogeu da arte abstrata nos meios de vanguarda”, escreve. Na entrevista, a pesquisadora enfatiza a mudança de postura de Ferreira Gullar na década de 1960: convidado a dirigir a Fundação Cultural do Distrito Federal no governo João Goulart, em 1961, criou depois o Museu de Arte Popular e passou a renegar seus ideais vanguardistas para pregar uma arte de cunho popular revolucionária.
“Com a ditadura, Gullar não vê mais lugar para uma arte de vanguarda no Brasil, argumentando que a linguagem neoconcreta era hermética demais para a compreensão do povo. Ele defende então a necessidade de ‘ilustrar’ o povo, mesmo reconhecendo que a arte, ao se tornar didática demais, acaba perdendo sua qualidade formal. Incentiva, por exemplo, a literatura de cordel e a gravura popular, e vê com bons olhos o movimento da nova figuração que ocorria no país – inspirado na cultura pop – porque pelo menos a linguagem hermética da abstração deu lugar a uma linguagem de apelo mais direto para a população”, diz a pesquisadora.
Quanto a Mário Pedrosa, de acordo com a historiadora, ele também elogiava a politização e a tentativa de romper com o isolamento das artes plásticas em relação ao grande público, mas mantinha precaução diante de experiências como a body art (que tem o próprio corpo do artista como suporte da obra), julgando-as inconseqüentes. “Pedrosa nunca renegou sua experiência vanguardista, mas não acreditava que fosse possível equiparar ‘alta’ arte à cultura de massa”, finaliza Fátima Morethy.
Frases |
Ao mesmo tempo pensava em criar um atelier de arte popular (Ferreira Gullar, 1980). Até escrevi ensaios mais otimistas com relação à cultura de massa. Eu reconheço que ela tem aspectos positivos, como a difusão da informação. Agora, quando se trata do problema da valorização da arte, dos valores artísticos, há uma grande defasagem. Isso explica um pouco também essa coisa da arte que está aí, desse experimentalismo sem limite. Se você fizer uma exposição de gravura ninguém toma conhecimento, mas se você ficar nu no museu, é notícia. Você manda para a galeria um tubarão cortado ao meio e todo mundo fala de você, mas se pegar e pintar um quadro, não chama a atenção. (Ferreira Gullar, 1998) |
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